Os Princípios da Espada Japonesa

Muito se fala sobre “princípios da espada” ou “verdadeiro Caminho”, e por diversos momentos, passa-se sobre terreno fantasioso, pseudomístico e de autoajuda barata ao tentar delinear formas de pensamento, comportamento e direção no treinamento. Estereótipos, impressões rasas ou esoterismo por vezes são a regra na mente dos iniciantes, apegados a imagens gloriosas, fictícias e românticas de seus heróis impecáveis.

Claro que já tivemos nossa cota de idolatria a esses modelos, ninguém escapa dessa fase, que apenas representa empolgação pelo conhecimento. E é evidente que tais princípios exigem uma vida de aprendizado e reflexões, e alguns deles apresentados aqui são uma mera base que precisa ser ampliada e discutida mais aprofundadamente. Também é possível questionar a origem de tais “princípios”, seus autores e o que é senso comum dentro da cultura da arte, com elementos ensinados de maneira oral há centenas de anos, e de fontes nem sempre rastreáveis.

Inicialmente, o VERDADEIRO Kendo é aquele promovido pelas entidades competentes reconhecidas, por intermédio de instrutores graduados e qualificados, que carregam as tradições do samurai, seu modo de pensar e de manuseio da espada. No Brasil, é representada pela Confederação Brasileira de Kendo, único órgão filiado à Federação Internacional de Kendo.

Um dos maiores direcionadores da “filosofia” do verdadeiro Kendo é:

“O Objetivo do Kendo é disciplinar o caráter humano pela aplicação dos princípios da espada japonesa.

O propósito de se praticar Kendo é:
Moldar a mente e o corpo,
Para cultivar um espírito vigoroso,
E pelo treinamento rígido e correto,
Lutar para desenvolver-se na arte do Kendo,
Obter respeito à cortesia e à honra,
Para relacionar-se com os outros com sinceridade,
E para sempre ter como objetivo o auto-aperfeiçoamento.
Dessa maneira será possível uma pessoa amar seu país e sociedade, contribuir para o desenvolvimento da cultura e promover a paz e prosperidade entre todos os povos”.

O “conceito do Kendo” foi elaborado nos anos de 1970 pela All Japan Kendo Federation com o intuito de direcionar a mentalidade dos praticantes a um caminho de aperfeiçoamento e autodescobrimento, em uma era que há muito já não se usa espadas como meio de defesa, mas de preservação cultural. Ainda que soe filosófico e elevado, o treino não se ampara apenas em palavras bonitas ou posturas falastronas: exaustivas repetições refinam as habilidades com a espada, por meio de técnicas letais devidamente aplicadas, em treinamentos com parceiros dinamicamente reativos e com bom grau de realismo.

Assim, por meio de experiência, é possível comentar alguns aspectos mais práticos e devidamente observados, sem recorrer à fantasia ou cansativas frases de efeito, e associando sempre a elementos comportamentais realmente presentes no treinamento árduo do verdadeiro Kendo. Os princípios da espada residem primariamente em uma atitude “correta” em relação à técnica e ao comportamento, sendo de imensa dificuldade assimilar tal idealismo ou desvendar seus pormenores, ancorados em uma cultura estrangeira que não somos familiarizados. Por essa razão, buscamos aqui separar em duas instâncias a influência deste conceito: exteriores (movimentos, físico-motor, prática e aplicação) e interiores (comportamento, mental e filosófico, “caminho”).

Muitos desses princípios são considerados avançados, e imperceptíveis nos primeiros anos do treinamento, e devem ser estudados continuamente com o suporte de instrutores.

Aspectos exteriores:

– no verdadeiro Kendo, não se recua: a forma de combater do samurai reside em princípios de bravura e obstinação. Nas guerras, avanço e ganho de território é estratégico. Em um duelo de vida e morte, é dito que não se deve recuar pois isso abre brechas para o inimigo dominar seu espaço, sendo que devemos sempre dominar o dele. E em exames de graduação fala-se do conceito de que, se der um único passo para trás na luta, reprovará;

– o verdadeiro Kendo se expressa pela atitude ativa: jamais deve ficar esperando que um adversário realize movimentos ou pressão sobre você, o que configura extrema desvantagem; somos nós quem pressionamos, sob quaisquer circunstâncias. Por isso, um estilo de luta retranqueiro, ou unicamente baseado em contra-ataques pode ser mal visto;

– a verdadeira espada evita técnicas de subterfúgios: apesar de eficientes, fintas ou fingir um movimento para aplicar outro envolve mais um conceito de “enganar” do que “superar” as habilidades do adversário. O Kendo “ideal” se manifesta quando usamos o seme para quebrar a postura do adversário e atacar instantaneamente na aparição da oportunidade provocada, em um golpe limpo, direto e honesto;

– não existe defesa: conceito que é literal, pois se prega que vence aquele que toma a iniciativa. Embora em diversos momentos possa acontecer, por não estar preparado e precisar se defender de um ataque, é considerado um ato falho. O verdadeiro ataque se manifesta quando há espírito de sacrifício (sutemi), de ir para cima do adversário sem se preocupar com sua própria segurança, tornando a ofensiva algo absoluto em nossa mente;

comprometimento total: é dito que um golpe somente será letal se carregar toda a intenção e energia. Isso inclui o desapego à própria segurança, bem como o kakegoe (vocalização, ou grito), considerado uma forma de exteriorização dessa força. Por isso se treina tão intensamente uchikomi para conseguir usufruir do auge das características físicas ainda que mantendo a mente calma;

– um corte, uma morte: apesar do conceito existir, infelizmente adquire contornos muito idealizados, repetidos por gente com muita fantasia na cabeça. Como amplamente comentado no texto, o golpe único e certeiro é absolutamente desejável, ainda que relativamente pouco provável de ser adquirido sem muitos anos de treinamento. Basta pensar, por exemplo, que em filmes vemos coreografias plásticas exageradas onde um protagonista nocauteia facilmente diversas pessoas que o cercam, e quem treina artes marciais reais sabe o quanto é difícil derrubar uma pessoa, e o que se exige de características para conseguir tal feito.

Entretanto, não quer dizer que não seja um importante princípio norteador para o treinamento de shiai. Baseado em escolas antigas, carrega a herança do pensamento samurai em que oportunidades na vida podem ser únicas, e assim, devem ser aproveitadas prontamente, e com toda nossa energia, vontade, dedicação e intensidade;

– respeito pelo adversário: ao combater, é importantíssimo fazê-lo de modo a usar o máximo de suas habilidades. Se não for desta forma, existe claro desrespeito a ele, no sentido de não considerá-lo uma ameaça e rotulá-lo como ”fraco”. Aqui é preciso discernimento sobre esta atitude: nos treinos de academia, em lutas rotatórias entre os colegas de diversas graduações, talvez seja necessário ajustar um pouco sua capacidade ao lutar com colegas menos graduados ou inexperientes. Mas entre colegas de mesma graduação ou acima, é importante o “ir com tudo”, pois sem isso, não se treina o verdadeiro combate. E quando se luta com os sensei, eles estão testando nosso conhecimento e capacidade em um sentido mais técnico do que meramente disputando habilidades conosco (devemos demonstrar ciência dos princípios fundamentais do Kendo, e não querer nos mostrar aplicando técnicas variadas);

– domínio do centro: componente técnico importante, ganhar a linha central do oponente é imprescindível para conseguir um golpe preciso e com o peso necessário. Assim, movimentações que tiram tanto corpo quanto espada dessa linha devem ser evitados, apesar de acontecerem em certas instâncias, mas no momento do ataque, corpo, espada e centro devem estar devidamente alinhados;

– espada ataca o corpo, não outra espada: apesar de óbvio, em muitos exercícios de base para iniciantes se usa o shinai como alvo para golpes (já que não possuem o bogu); a partir do momento que se usa a armadura, o alvo é sempre o corpo do adversário. Existem sim técnicas para defletir ou batidas na espada adversária mas configuram estratégias próprias, e na melhor das hipóteses, um duelo vencido sem criar dentes em sua espada mostra alto grau de perícia e habilidade;

– o ataque nunca é gratuito: os princípios da espada exigem que um ataque envolva complexas leituras do adversário, onde é possível identificar falhas na postura física (kamae) ou mental, e assim atuar no momento em que elas ocorrem. Por isso, atacar sem qualquer planejamento, percepção ou pressão é considerado inadequado e prematuro;

– o contra-ataque não é um contra-ataque: técnicas de oji-waza são aplicadas como resposta ao seme que nós fazemos ao induzir o adversário, não apenas aguardando passivamente a ação dele, mantendo o conceito de ofensividade e atitude proativa;

– a espada reflete o coração: um conceito muito comentado, refere-se em um nível mais básico a simples maneira de empunhar a espada, e qual o tipo de trejeito se posta quando assume o kamae. Então, ficar balançando demasiadamente a ponta dela, ou ficar inquietamente alterando sua postura, ao invés de imprimir pressão de ataque, pode significar uma pessoa ansiosa e insegura, cujo espírito ainda não se tornou um com a espada, além de gerar brechas que serão aproveitadas em uma fração de segundo por um oponente ágil e perceptivo.

De modo equivalente, a linguagem corporal assumida pode transparecer com certa clareza uma postura mais decidida e ofensiva, ou temerosa e recuada. Reagir à pressão do adversário sem a devida estabilidade mental, se assustando com qualquer pequeno movimento dele (como um finta) também revela uma mente despreparada para o combate, cuja insegurança torna a espada acuada, e não sintonizada com a situação. Aqui deve-se estudar os princípios das quatro doenças do Kendo (medo, dúvida, hesitação e surpresa), além de observar as características do heijoshin, a mente/espírito absolutamente serenos e calmos. Trata-se de elementos complexos que demandam muitos anos de estudo e extensa experiência prática.

Uma atitude considerada ideal de luta envolve a pressão constante pelo seme, mantendo o kamae totalmente estável até o último momento possível, e ao detectar a oportunidade revelada pela pressão ofensiva, disparar explosivamente seu golpe, seguido do zanshin apropriado. Apesar de óbvio, muitos praticantes, no geral jovens, desenvolvem trejeitos e manias corporais que, em um primeiro momento, podem parecer apoios ao esforço de ataque, mas que em um sentido mais exigente de técnica e postura geral, o torna florido e com movimentos desnecessários, passíveis de reprovação em exames de graduação.

Portanto, as atitudes dentro do combate de algum modo são espelhadas pela personalidade de quem empunha a espada, e a correção de aspectos técnicos e mentais nesta esfera podem trazer grandes benefícios nos campos pessoais;

– leitura do adversário: de nada adianta um ataque efetuado sem a devida percepção (ou indução) da oportunidade, se afastando assim dos princípios da espada. O metsuke, conceito de visualização, abrange a leitura da linguagem corporal, bem como treinar uma observação mais “interna” das intenções do oponente, permitindo perceber certos momentos-chave para tomada de ações. Outra palavra interessante é aiki, traduzida simploriamente como “harmonia”, é um termo que infelizmente permite muito esoterismo e baboseira, pode ser melhor entendido como “sincronia mútua”, no sentido de, com a devida observação e análise instantânea do comportamento adversário, quase “se tornar ele”, podendo agir e reagir nos exatos momentos em que ocorrem decisões na mente dele, frações de segundo antes do corpo se movimentar. Invariavelmente, tal quesito acaba sendo extremamente instintivo, onde a melhor ocasião de atacar pode variar com a pressão aplicada;

mushin: um dos objetivos técnicos mais importantes da jornada. Trata-se de um estado mental de ação e reação puramente instintivo, independente dos mecanismos conscientes de ativação do nosso próprio corpo. Ainda que soe desnecessariamente místico, é comprovado que existe: no relato de um kenshi em competição, ele estava ansioso com a disputa do terceiro ponto, e por um momento a mente clareou. No momento seguinte, se viu do outro lado da quadra, com as bandeiras erguidas a seu favor. Ao verificar a gravação de seu combate, imprimiu corretamente o seme, atraindo o ataque men do adversário, aplicando na sequência o contra-ataque men-kaeshi-do. Entretanto, não lhe restava na memória o momento de uso da técnica, restando uma impressão muito abstrata de ter feito ou não o waza, se tornando consciente somente após executar o zanshin. Na graduações mais baixas, e de acordo com oscilações do momento, o mushin ocorre muito ocasionalmente, e com a experiência, é possível alinhar um pouco melhor os fatores que o manifestam;

Aspectos interiores:

Neste item é imprescindível uma série de filtros e senso crítico para não se levar por uma empolgada autolavagem cerebral, pois envolve aspectos idealizados de comportamentos e atitudes, facilmente maquiados e vendidos por charlatães como “modo de pensar samurai”, “bushido” e tolices do tipo.

Já foi comentado aqui que existem pessoas que, ao abraçarem o Kendo, ou qualquer iniciativa, sentem que se juntaram a uma nova “religião” e descobrem uma iluminação especial. Ainda que contentes pelo sentimento, somos céticos ao comportamento humano automotivado por frases de efeito e imagem de gente ideal, pois nem sempre é possível aplicar todos os grandes conceitos idealizados em nossa vida, sem gerar possíveis prejuízos que nos afetem, ou a terceiros. O ser humano nem sempre admite mas é mais cinza do que preto e branco, e essa consciência permite um equilíbrio melhor dos tais grandes princípios, ainda que andamos em uma corda bamba que vai oscilar entre retidão e hipocrisia.

Como o próprio objetivo do Kendo diz, “disciplinar o caráter humano pelos princípios da espada japonesa” pode ser algo bastante confuso, controverso, especialmente quando se fala de estrangeiros (não-japoneses), sendo que muito de tais princípios fazem parte de uma imersão cultural que nos é alheia, ainda que tangem aspectos universais de comportamento. E certamente é um conceito que bate de frente com indivíduos mimados defensores de ditas “liberdades”, onde acreditam que podem fazer ou dizer o que querem sem consequências dos atos.

Cuidado com baboseira “bullshitdo”.

– ser autocrítico: um item que merece destaque, e que também precisa ser observado com o devido cuidado. Pessoas que são extremamente exigentes com seu desempenho podem, eventualmente, desencadear problemas emocionais, como ansiedade. Por isso, estabelecer uma “média” no seu treino e habilidades ajuda a entender seu grau e evolução dentro da arte. Por outro lado, comparações podem igualmente ser prejudiciais, dependendo do tipo de filtro que se usa. Nunca se compare com aqueles que são os “top players” de qualquer modalidade, sempre haverá decepção. Mas é possível se perguntar qual o caminho trilhado por eles para que possamos, pelo menos, tentar nos aproximar de seu nível;

– eliminar a auto enganação: uma extensão do item anterior, é definitivamente comum acreditarmos em algo somente porque nos convém, ou por que negamos certas verdades potencialmente doloridas. Ao nos iludirmos com nossa capacidade, acreditando que estamos “bons” em alguns aspectos, é onde reside a oportunidade do tombo. Por vezes, perder em uma competição ou reprovar em um exame nos dá algumas pistas do que pode estar faltando. Já na vida, algumas lições podem ser bem mais doloridas, então manter a humildade ajuda bastante aceitar certas verdades;

– jamais pensar em atalhos: em artes marciais, a verdadeira força vem do treinamento. Claro que é possível usar de meios artificiais para melhorar nossas capacidades físicas (desde musculação até esteroides), mas o aprimoramento da técnica só é possível com treinamento totalmente comprometido, amparado por instrução especializada. Exercícios com alto grau de repetições envolvem um pouco desta lógica: cansar o corpo para que a “memória muscular” realize movimentos mais econômicos, lógicos e, portanto, mais “corretos” de acordo com o que se prega.

Outro ponto são iniciantes empolgados que acreditam que etapas de fundamentos são mero aquecimento, e anseiam pelas técnicas e movimentos mais complexos. Basta lembrar que mesmo aos maiores mestres, os fundamentos são treinados diariamente, pois representa a oportunidade de reconstruir as bases de sua habilidade, em um eterno esforço de refinamento. E o inverso também é prejudicial, onde novatos que não são acostumados com movimentos de artes marciais acreditam que se repetirem milhares de vezes os golpes fora do treino ficarão “fortes” mais rápido, quando poderão é desencadear problemas físicos como tendinite e lesões equivalentes;

– a espada reflete o coração: este é um item de grandes ponderações, e permite aqui representar a ideia de como a pessoa direciona seu treinamento, e por influência, sua vida, baseado em aspectos de seriedade, humildade, egocentrismo e posturas autocríticas. Como no verdadeiro Kendo é muito difícil falar em jeitinhos para “se dar bem” (ainda que exista certo grau disso em alguns pontos técnicos, dada a imensa dinamicidade dos combates), acostuma-se a uma rotina de honestidade nos procedimentos, onde “dar migué” ou qualquer outro ato de fuga apenas irá te prejudicar, e te tornar menos preparado. Essa consciência, quando compreendida em aspectos mais amplos, traz grande impacto na percepção da realidade das pessoas, com potencial de modificar o pensamento em níveis profundos.

Assim, a maneira como conduzimos nossa experiência marcial é um paralelo de nossa própria personalidade. Ainda que haverá uma expressão forçada de certas coisas (muitos se apegam a discursos “durões” e de “retidão” apenas para posar de figuras superiores), o tempo costuma ser mediador do amadurecimento, e o hábito de se conectar a adversários acaba por permitir uma leitura mais empática de intenções, principalmente quando fora do shiaijo.

– serenidade: uma grade preocupação de todo kenshi é manter a calma e controlar sua mente em momentos de grande tensão, como nas competições. Se retornarmos ao passado, os samurai precisavam de algum recurso que os fizesse estabilizar as diversas emoções extremas dos duelos e guerras, como medo da morte, o que de fato constituía uma imensa desvantagem, e risco. Mesmo o mais rígido treinamento pode não ser capaz de promover segurança psicológica, e no caso dos samurai, aceitar que a morte faz parte do roteiro da vida e do combate o induzia a uma mentalidade de sacrifício, e por meio disso, a glória.

No estudo atual da espada, não nos preocupamos com riscos que não os simulados, então a constância do treinamento é a única ferramenta para nos fazer domar a ansiedade, nos expondo voluntariamente a momentos de tensão, que são representados por competições e exames de graduação, e em uma jornada particular, entender, conter ou processar tais sentimentos;

 – KEN-Do e não KATANA-Do: baseado em aspectos históricos e de tradições orais de diversas escolas de esgrima japonesa, é de relevante discussão a ideia de que a espada é um instrumento místico que promove justiça. Este pensamento já incute responsabilidade a um perito em tal arma, insinuando que seu porte e saque exigem discernimento e sabedoria, e seu mau uso desperta carma negativo. Como a espada samurai é uma lâmina de gume único (katana), seu lado cortante está sempre voltado ao adversário, trazendo alguma noção de segurança para quem a empunha. Entretanto, para certas correntes filosóficas que permearam as antigas escolas de kendo, assume-se que cortar ou matar uma pessoa pode trazer malefícios espirituais, então simbolicamente se trata a espada como se tivesse dois gumes (ken), uma voltada ao adversário, e outra voltada para quem a segura, incutindo um alerta de que cortar uma pessoa é como cortar a nós mesmos.

Tais alegorias folclóricas reforçam a ideia do katsujinken, onde se busca uso e aplicação das técnicas da esgrima japonesa em um contexto de aprimoramento saudável e construtivo, focando em treinamentos que moldam o corpo e refinam as habilidades, mas não existe mais uma aplicação real de batalha, ainda que se preservem métodos e procedimentos;

Espada “ken”, de gume duplo (c. séc. XIII).

– ser um com a espada: do ponto de vista técnico, envolve um manuseio mais instintivo da arma, onde não se pensa de modo consciente em quais movimentos serão realizados, mantendo foco exclusivamente no oponente. As ações e reações se tornam mais fluidas e naturais, com se golpeasse com todo o corpo, ignorando o fato de estar segurando um instrumento alheio a ele. Difere do mushin no sentido de ser algo mais simples, adquirido com a repetição exaustiva, e a afinidade desenvolvida com o tempo.

Tal componente permite que a atenção esteja totalmente direcionada para um objeto/objetivo (no caso, um adversário), mas em instâncias do cotidiano diminui as distrações, aumentando a concentração da atividade desempenhada, e por resultado, sua qualidade. Por exemplo, dirigir é uma comparação válida: você e seu carro são um na estrada.

“Ser um com a espada” também pode significar tentar buscar e aplicar constantemente seus princípios, e preocupado com sua postura além do dojo, em uma reforma que começa por dentro de nós.

Apesar de bastante árduo, treinar o VERDADEIRO Kendo envolve estar alinhado com todos esses princípios simultaneamente, e o quanto oscilamos para fora deles demonstra o quanto ainda precisamos melhorar. Não somente em ações práticas durante os combates, mas pelo refinamento que damos em nossas atitudes, que sem uma sinceridade de aceitação, apenas produzirá indivíduos mentirosos que querem se promover as custas de elevados princípios.

Ainda que tudo aqui apresentado soe exigente, a satisfação do treino é sempre recompensadora, e o Kendo é para todos, não somente para aqueles que podem se tornar grandes competidores. A imersão cultural, aliada ao treinamento físico forte traz enormes benefícios, não para formar “samurais”, mas pessoas mais maduras, ponderadas e conscientes.

________________

N.P.P.

Novamente discutimos aqui mentalidades que, sem a devida maturidade, podem promover arrogância em gente com problemas emocionais e baixa estima, efeito similar a (pseudo?) religiosos que precisam se acham superiores aos que não seguem suas crenças. Entretanto, admitimos que existem níveis, fases, que são percorridas de acordo com o entendimento e experiência que ganhamos ao longo dos anos, que molda nossa percepção das coisas. Daí, é sempre preciso muito cuidado ao assumir posturas “rígidas” ou achar que tem muita “retidão” de caráter, quando isso soa muito mais um recurso de autoestima carente do que uma preocupação com a sociedade. Malditas sejam tais aparências!

Qual é o princípio fundamental da espada? “Disciplinar o caráter humano”. Em suma, nos tornar menos, digamos, “babacas egoístas”, e mais úteis e perceptivos às necessidades do coletivo.

Outro lado crítico é buscar por artes marciais autênticas, devidamente reconhecidas. Existe um mar de lama neste meio, com indivíduos alienados, gananciosos, egocêntricos e megalomaníacos que posam de “gurus”, “mestres”, “senseis”. Os verdadeiros princípios marciais passam longe de gente destes perfis, e não se aprende espada treinando com picareta (trocadilho muito intencional).

Enfatizamos que o Caminho é uma jornada PESSOAL, onde quem deve melhorar somos nós mesmos, e a comparação é feita sempre ao nosso “eu de ontem”, e não aos demais. Em todo caso, se alguém incomoda, apresente o verdadeiro Kendo a ele, quem sabe não iniciam sua própria história de aperfeiçoamento?

__________________________

.

Tem interesse em conhecer o VERDADEIRO Caminho da Espada?

Veja aqui links para informações sobre onde encontrar a academias que ensinam o VERDADEIRO Kendo e Iaido no nosso país!

#Academias de KENDO no Brasil

#Academias de IAIDO no Brasil

#Quanto Custa treinar KENDO no Brasil?

#Como é o Treino de Kendo?

#Guia para a Prática de Kendo

#Confederação Brasileira de Kendo

#Fornecedores de Equipamento para Kendo, Iaido e Jodo

_____________________________

O que achou da matéria? Sua opinião é importante para o crescimento deste trabalho. Caso tenha dúvidas ou queira conversar sobre o assunto, envie um e-mail para: blog.espiritomarcial@gmail.com ou deixe seu comentário!

Postado em 13 de maio de 2022.


Texto nº 146

2 comentários sobre “Os Princípios da Espada Japonesa

  1. Excelente reflexão sobre os princípios da espada!

Deixe um comentário