O Valor do Jiho e Fukusho em Kendo

Jiho e Fukusho podem parecer posições subestimadas por alguns, e talvez alguns praticantes podem se sentir frustrados quando lhe são atribuídas tais colocações em uma competição por equipes (especialmente o jiho),que por vezes são ocupadas por kenshi de menor experiência em categorias iniciantes. Mas um bom time considera elementos que vão além da habilidade específica de cada um e seus tokui waza, e o olho do/a sensei para perceber elementos que são tanto físicos quanto psicológicos ajuda a condicionar o funcionamento de um grupo harmônico.

Já avisamos que esta é uma análise feita por não especialistas ou sensei, cujo objetivo é lançar luz e fomentar o debate do assunto entre os estudantes e seus instrutores.

Para aqueles que não conhecem a dinâmica das competições em equipes do Kendo, elas acontecem em combates de um contra um, sendo que existem cinco membros e sua distribuição tem nomenclaturas e papéis a desempenhar. O primeiro lutador é o Senpo, o segundo Jiho, terceiro Chuuken, quarto é o Fukusho e quinto Taisho, o capitão, e cada um enfrenta o seu equivalente do time adversário.

Já reparou que em campeonatos quando há equipes incompletas com apenas três membros, eles entram nas posições 1 – 3 – 5, ao invés de 1 – 2 – 3? E quando são de quatro pessoas contra cinco, pula-se o jiho?

Isso ocorre muito provavelmente em função do grupo de cinco pessoas, respeitando o arranjo e “hierarquia” que já estão ali definidos, e assim se mantém um certo equilíbrio estratégico entre os lutadores do time e os adversários desfalcados.

Em competições de graduações iniciais, é comum a possibilidade de alternância entre as posições (isso é livre desde que informado para banca, e tal alteração só ocorre quando for enfrentar a próxima equipe), para que os praticantes menos experientes se acostumem e entendam algumas das características exigidas em cada uma delas. Normalmente este tipo de experiência é mais observada dentro dos dojo e sob cuidado da/o sensei, que detecta o perfil e estilo combativo de cada aluno e assim direciona sua jornada de aprendizado, mas não deixa de ser uma ferramenta válida para o crescimento dos kenshi mais novatos.

Fala-se bastante da importância das posições 1 – 3 – 5 e qual o mindset necessário para se lutar nelas. Entretanto neste texto buscamos valorizar o Jiho e Fukusho, ampliando seu entendimento e se distanciando do estereótipo de apenas “mantenedores” de resultados, para abordar quais características são desejáveis no perfil desses competidores, e assim, tentar quebrar preconceitos e ilustrar melhor seu valioso papel no grupo.

Veja a seguir as características gerais, que são consideradas dominantes ou desejáveis nos perfis, mas não necessariamente obrigatórias:

1) SENPO: agressivo, combativo, carismático (na linguagem de luta), tem sentimento de sacrifício muito grande e iniciativa de atacar com ferocidade. Geralmente não são lutadores de contra-ataque, preferindo o tobikomi waza como característica forte de sua técnica; é a pessoa que avança “com tudo”, e até podemos brincar que é o “cão feroz que soltamos da coleira”; é decisivo para elevar a moral da equipe impondo ritmo forte ao duelo;

2) JIHO: pode ser calmo e controlado, mas ainda assim, ousado e enérgico a saber dominar o adversário e impor presença. Desejável deter mais maturidade e ser ponderador, devendo se portar de acordo com os resultados da luta anterior: é interessante que seja alguém que tenha waza de ataque e contra-ataque em equilíbrio e mais refinados, e que com essas cartas possa agir na manutenção do resultado quando favorável (o adversário em desvantagem virá naturalmente e tentará ser bem ofensivo, o que vai gerar muitas oportunidades de contra-ataque para quem observa com frieza), ou em desvantagem, possa recuperar terreno com seme intenso e fulminante – mas atento à estratégia dele;

A palavra-chave que pode definir o jiho é “adaptabilidade”, pois será aquele que deverá manter a agressividade do senpo mas sabendo conduzir fria e estrategicamente a luta até fatídico final, sempre colocando o oponente em uma armadilha; é interessante que seja alguém que também consiga elevar a moral e motivação do grupo com sua habilidade, sendo visto talvez como um “senpo mais estrategista”;

3) CHUUKEN: posição chave na equipe, exige um lutador reconhecidamente forte e experiente para manutenção ou decisão do resultado, pois em caso de duas derrotas será quem vai segurar as pontas; por vezes, pode revezar com o próprio capitão;

4) FUKUSHO: com um perfil próximo do jiho, além de frio e analítico, especialista em diversos tipos de waza, deve ter mais maturidade e experiência para, se necessário, mudar os rumos do combate. É ideal que tenha forte controle emocional, além de grande racionalidade, consciência de espaço, noção da passagem do tempo e oportunidade pra julgar (e criar) os melhores momentos para ataque e contra-ataque, mantendo ritmo e pressão fortes, com uma tarefa e prontidão similares ao jiho. Tais posturas mentais (adquiridas ao custo de muito treino e experiência), são absolutamente necessárias para evitar que o nervosismo, ansiedade ou afobação desestabilizem seu espírito, neutralizando seu desempenho ótimo e caindo no jogo do adversário.

Desejável também que seja alguém com boa resistência física para suportar um ritmo de combate muito tenso e variável, e cuja imagem e habilidade sejam tão inspiradoras quanto as do taisho;

5) TAISHO: considerado “mais forte”, mas não é capitão apenas pela sua capacidade de luta, independente de sua experiência, sendo uma pessoa confiável no sentido de que “ela/e vai vencer”; também pode ser considerado o/a kenshi “ideal” da academia (pelo menos em termos de critérios técnicos de shiai) e sua presença evoca não somente confiança mas também esperança ao grupo;

Assim sendo, o que é necessário para o desenvolvimento destes papéis?

O shiai por equipes envolve uma construção de médio prazo, a cada round, onde aspectos técnicos são fortemente influenciados pelos psicológicos. Assim, conseguir impor ritmos e manter a balança pendendo para seu lado envolve uma difícil tarefa de manutenção. Cada membro, quando bem ciente de suas atribuições, consegue conjurar com mais eficácia suas habilidades e desempenhar um papel com mais precisão. Sendo as posições 1 – 3 – 5 notoriamente conhecidas, entender as 2 – 4 permite não apenas um funcionamento mais orgânico à equipe, bem como conscientizar seus lutadores da sua relevante missão.

De acordo com o que foi mencionado mais acima, perfis de solidez emocional podem se destacar nestas posições, visto que podem imprimir maior controle ao combate. Em Kendo, é extremamente difícil manter uma atitude psicológica neutra em relação ao andamento do shiai, e errar no equilíbrio entre agressividade ou “passividade” é fatal, primeiramente pela possibilidade de ser contra-atacado com mais facilidade (“telegrafando” movimentos ao atacar desmedidamente) ou permitindo que um oponente cresça para cima de você, que apenas espera (arriscadamente) uma ação. Em ambos casos, conhecimento mais aprofundado da dinâmica do combate auxilia a controlar este desequilíbrio, mantendo a tensão da luta sempre a seu favor.

Certamente que, para graduações mais iniciais, o uso do jiho como palco de experimentação é um fato, onde um kenshi com pouco conhecimento pode absorver as sensações da luta, e em caso de desvantagem, os demais membros podem compensar por uma eventual derrota.

Importante relembrar que estes elementos são discussões teóricas e especulações, que sem dúvida se flexibilizam enormemente no plano real, e muitos desses pontos aqui levantados podem ser facilmente contraditos. Apesar de parecer que se exige perfis muito distintos para adentrar às posições 2 – 4, reforça-se a ideia de que as diferenças entre papéis é relativamente sutil, e nas lutas, o que importa é diretamente a capacidade de vencer, preferencialmente marcando dois pontos. Assim, estas observações se enquadram em uma reflexão particular que cada um pode ter, e levar a questão ao sensei.

Em termos gerais, as características citadas para os cinco membros são genéricas e claramente que exigidas para todo e qualquer kendoka. Entretanto, é notório que existem diferenças de níveis, habilidades, percepções e maturidades entre os membros de uma equipe, assim, esta análise amadora faz sua vez de “RH” do time, realocando os talentos individuais onde parecem ser necessários e mais urgentes. Também permite ao praticante que, uma vez entendido seu perfil, possa expandir seus conhecimentos e habilidades na direção que tiver predileção, não se limitando a papéis pré-definidos e se tornando um kenshi mais completo e aprofundado em sua arte.

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N.P.P.

Obs. 01) Existe um modo de enfrentamento por equipes chamado “kachi-nuki“, onde aquele que venceu o combate permanece em quadra e luta com o próximo adversário, e continua até perder, quando é substituído pelo próximo membro. É possível que um senpo derrote todo o time oponente! Esse tipo de modalidade é avisada com antecedência nas cartas-convites dos campeonatos e promove experiências bem interessantes e emocionantes!

Obs. 02) É verdade que algumas estratégias são simplistas a ponto de exigir que os membros 1 – 2 – 3 “atropelem” seus adversários, permitindo que 4 – 5 fiquem mais na função de mantenedores de prontidão. Outras podem variar de acordo com o nível e perícia dos envolvidos, como por exemplo, nos Campeonatos Mundiais, onde os competidores são cuidadosamente estudados previamente, e já se considera possíveis táticas para combatê-los.

Mas em momento algum de nossa matéria consideramos o recurso de “segurar” uma partida para benefício do placar. É possível utilizar-se de subterfúgios como defesas propositais, longos tsubazeriai sem intenção de atacar e outros comportamentos não-combativos apenas para ganhar tempo e manter o ritmo de vitórias do grupo, em caso de vantagem.

Apesar de realmente acontecer por suas razões estratégicas (afinal, a vitória coletiva pode ter um peso maior que as individuais), devemos pensar se esse tipo de atitude representa o verdadeiro Kendo. É dever de cada membro manter seu credo e buscar o ippon a todo custo, talvez mesmo com um placar já favorável.

Ou pelo menos, é o que se prega. Mas sabemos que existem abismos enormes entre nobres discursos e ações do mundo real… e o que uns chamam de “inocência” outros chamarão de “princípios”. Escolha sua verdade e siga em frente, mas sempre preparado para as consequências.

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Postado em 09 de abril de 2021.

2 comentários sobre “O Valor do Jiho e Fukusho em Kendo

  1. Obrigado por compartilhar suas reflexões e trazer uma abordagem importante sobre esse assunto; uma vez que as posições citadas (Jiho e Fukusho) realmente são tidas, como já discutido no artigo, posições inferiores às outras três. Logo, concordo com os pontos levantados e acredito que seja necessário quebrar o estigma designado a essas posições, principalmente com relação ao entendimento por parte dos Kenshis, quanto a importância igualitária entre as habilidades individuais, as quais são necessárias para compor a equipe. Parabéns pelo relevante artigo, que abrirá espaço para novas discussões.

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