A Mensagem Errada da Luta

Muitos conhecem a reputação de textos clássicos como A Arte da Guerra, de Sun Tzu, Hagakure de Tsunetomo Yamamoto ou o Livro dos Cinco Anéis de Musashi Miyamoto, que podem direcionar a mentalidade da arte marcial para uma tentativa de autoconhecimento, e por meio desta análise, desempenhar melhor papel não só como lutador, mas em outras áreas, profissionais e pessoais.

Existe uma grande ênfase na questão reflexiva entre o poder adquirido por meio de uma arte marcial e a responsabilidade em lidar com tal habilidade. Esse filtro permite uma série de observações em como o treinamento austero e maduro ajuda a ponderar aspectos da vida cotidiana dentro do escopo da “luta”, por assim dizer. Em textos como #A Regra Não Escrita da Luta ou #Gratidão no Combate rascunhamos cenários onde o shiai em Kendo, de modo figurado, é transportado para enfrentamentos e decisões do dia a dia, e ali, ao contrário de um combate, não é a melhor postura rotular uma pessoa com quem está discutindo como se fosse um inimigo a ser sobrepujado e apenas destroçar seus argumentos. Lutar ensina a reagir bruscamente e dominar, mas conversar e trocar ideias não é exatamente a mesma coisa. Ou, pelo menos, não deveria.

Vamos relembrar algumas das lições e estratégias na esfera da luta. Em Kendo, ou na esgrima japonesa de um modo geral, existe uma lógica um tanto protocolar de como proceder para atacar. Existe a postura adotada (kamae), a impressão do seme (iniciativa ofensiva), a percepção do maai (distância e tempo), a criação da brecha/abertura (suki), e existe a conjuração do ki-ken-tai (união de energia/vitalidade/agressividade/intenção, com a técnica correta da espada e pela postura corporal adequada) no momento do contato da espada com o corpo do adversário. Caso o golpe atinja, é necessário ainda o sentimento do zanshin, o estado de alerta para eventuais reações inesperadas.

Revela-se aqui a importância dos ensinamentos, em particular no Kendo, que se traduzem em maneiras de se conectar, harmonizar e sincronizar com as ações – físicas e mentais – a um adversário. Um tanto similar ao xadrez, existe a noção de planejamento antecipado de ações, e a possibilidade de capitalização de resultados. Então combate, negócios ou discussão acabam terminando com um lado que “venceu”, impondo condições (ou danos) ao outro.

Em muitos sentidos, adotar uma postura corporal influencia a dinâmica da luta, permitindo um leque maior ou menor de possibilidades, e transitando para estados mais ofensivos ou defensivos. Então, se levarmos essa analogia para uma conversa, já se emula uma ideia de “postura” na argumentação – ou enfrentamento – com as pessoas, facilmente observada em debates (em especial os políticos), onde se percebe claras manipulações dos pontos de vista para atingir ou promover os personagens envolvidos.

Por isso, expressivo número de pessoas (ou nós mesmos, pensemos nisso), quando discutem, e em particular em redes sociais, não estão interessados em divulgar pontos de vistas construtivos, e muito menos em debates. Protegidos pela distância, impessoalidade ou anonimato, e no alto de seu ego e nariz empinado, visam apenas parecer entendidos, achando que vão “encerrar a discussão” com seu comentário “fabuloso”, ou meramente fazer barulho, disparando diarreias verbais oriundas de um psicológico frágil, mal resolvido e afligido por uma série de complexos de inferioridade. Assim, acreditam que se expressar de forma agressiva os tornam de alguma maneira empoderados, e isso resulta em um triste placebo emocional, prejudicial não somente a si, mas desgastante para pessoas do entorno. Preparemo-nos, pois este é ano de eleições!

Essa mentalidade primitiva e revanchista leva unicamente a proteção do próprio ego, em um sentido de querer forçar suas ideias sobre outras pessoas, sendo tudo interpretado por um ponto de vista combativo, tanto seus argumentos como os de terceiros, ainda que eles possam não ter tido tal intenção, mas o ego inflado necessariamente vê todo questionamento ou crítica como um ataque direto a sua ilustríssima e imaculada magnificência, e um risco para a imagem social ou reputação do indivíduo, algo insuportável para perfis arrogantes que posam de cidadãos “de bem”. Certamente que você já teve a experiência de, tendo a razão, contrariar gente assim, e seguramente se lembra da reação resultante: chilique, faniquito, e ainda sob o risco de sofrer uma agressão, verbal ou até mesmo física.

Quando tais indivíduos começam a perceber que os argumentos são convincentes e os colocam contra a parede, ao invés de retórica apropriada, começa um infantil espetáculo de ofensas, na tentativa de minar a credibilidade daquele que rotulou como opositor, e tentando afobadamente redirecionar a atenção e tema da discussão para uma área fora daquilo que lhe está sendo desconstruído. Uma vez que possui fragilidades emocionais diversas, sustenta sua delicada autoestima em pontos de vista retrógrados apenas para projetar uma falsa imagem de “durão”, e quando isso é abalado, parte para um desmedido show de insultos, desvios de assunto e manipulações das falas.

Todavia, quando falamos em uma “mensagem errada da luta”, o que queremos dizer tem a ver exatamente com este ponto: uma agressão física deve ser contida. Negócios podem ser equilibrados em termos de benefícios e desvantagens. E discussões deveriam buscar o esclarecimento, e não ser palco para indivíduos prepotentes forçar suas opiniões sobre os outros. Uma vez no complexo jogo de sincronização com um adversário, no shiai de Kendo aprendemos camadas profundas desta iniciativa, onde em alguns momentos nós nos tornamos o adversário: enxergamos, claro que metaforicamente, com seus olhos para estipular as nossas próprias ações e seus efeitos. Entender o que ele faria, baseado no que você mesmo faz – ou fará! De alguma maneira, isso pode criar uma ponte, ainda que distante, com o processo de construção de empatia, e tentar entender motivações alheias.

No combate, a melhor resposta é o golpe definitivo. Entretanto, quando mudamos o cenário para as discussões, a maior vitória neste sentido é a persuasão. Argumentos precisos, empatia e polidez, sem a pretensão de “mudar” pessoas é um caminho positivo. Discutir pode ser como lutar, desde que, ao ver as brechas, se use um argumento educado e elegante como golpe, e não uma tentativa de diminuir, desacreditar ou humilhar a pessoa. Buscar entender os porquês de tal opinião para apresentar argumentos razoáveis. Não é sobre tentar convencer, mas encontrar pontos de interesse comuns.

Em #Kendo Kata Conceitos 03 apendemos que iniciativas e posturas agressivas atraem a agressão, um retorno cármico indesejável quando se busca um patamar diplomático. Quando estudamos o 3º kata, temos vislumbres de como “dominar” um adversário sem matar, ainda que impondo uma ameaça, a fim de desestimular a ação inimiga. Mas isso é diferente, no debate, de alinhar ideias que são pertinentes a ambos lados (nem sempre pode ser fácil identificar más intenções por de trás de palavras gentis e suaves). Por isso, ao sintonizar um interesse em comum, discutir diferenças se torna um caminho menos espinhoso. Este sim será o verdadeiro ippon, e não será somente para um único vencedor.

Aprender a manusear a espada japonesa requer dedicação e instrução especializada. Ali nos é ensinado a sobrepujar nossos adversários e dominar nossas fraquezas. No entanto, não espere que o/a sensei venha atuar como psicólogo, coach ou guru para tais questões, pois entende-se que esses pormenores são jornadas internas dos praticantes, e inerentes ao Caminho. A análise autocrítica e sincera é uma ferramenta poderosa (e às vezes, dolorosa!) para melhorarmos tanto nossas técnicas quanto nosso posicionamento como seres humanos. Se é a espada que vai te trazer reflexões sobre esses pontos, certamente ela estará cumprindo seu papel, e até mais do que ficar golpeando por aí.

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NPP:

Budo reforça bastante a ideia de auto aprimoramento. Mas a final, a quem eu devo minha melhora? O esnobe acha que é somente a seu próprio esforço, como se fosse o protagonista máximo do universo, a quem tudo merece e tudo deve ser dado. Quem vê mais além reconhece que esforço é importante, ao mesmo tempo que é o mínimo a se fazer, mas entende que o verdadeiro valor reside originalmente em pontos externos, em pessoas que nos guiaram, ajudaram e influenciaram, onde se justifica a maneira como dialogamos e nos conectamos a elas. Em um primeiro momento, aquelas que, por vários motivos, nos interessam. Mas como diz a máxima, caráter transparece quando algo, ou alguém, não nos interessa.

E só vamos tomar cuidado com uma coisa: aos prezados leitores que leram o texto se vendo unicamente como a pessoa ponderada, e não se notaram em algumas das caraterísticas negativas do perfil fictício observado, talvez seja preciso um pouco mais de… autocrítica. Quem nunca? O autor garante que se encaixa (ou já se viu) perfeitamente em todos os pontos apresentados… e o ego é uma coisa dificílima de controlar.

Por fim, este texto traz uma mensagem que até certo ponto pode parecer fantasiosa, e totalmente impraticável visto certos perfis de pessoas. Mas o Caminho envolve mistérios de como nós nos aperfeiçoamos, e não como nos metemos na vida alheia e julgamos o que lhes falta, não é?

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Postado em 09 de abril de 2022.

Texto nº 145

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